A diferença salarial entre as trabalhadoras domésticas e os demais trabalhadores no Brasil é uma realidade preocupante, que reflete desigualdades sociais e estruturais da nossa sociedade. A estrutura salarial desigual entre diferentes ocupações é um reflexo das desigualdades sociais, raciais e de gênero historicamente enraizadas no país. O trabalho doméstico, predominantemente realizado por mulheres negras, é frequentemente desvalorizado e sub-remunerado. Essa desvalorização ocorre principalmente porque as tarefas domésticas e de cuidado são desvalorizadas, invisibilizadas e consideradas como uma habilidade natural das mulheres, não necessitando, portanto, de qualificação e formação, e porque o trabalho realizado por pessoas negras é frequentemente desvalorizado, um reflexo do racismo como força estruturante do mercado de trabalho no Brasil.
Ao comparar o rendimento médio dos trabalhadores da administração pública federal (dos setores de relações exteriores, justiça, defesa civil, segurança e ordem pública), que é de R$11.972, com o das trabalhadoras domésticas, de R$1.085, fica evidente a disparidade salarial que existe entre as ocupações no Brasil. Essa discrepância salarial contribui para a manutenção de um volume enorme de trabalhadoras domésticas no país. Segundo relatório “Tornar o trabalho digno uma realidade para o trabalho doméstico – Progresso e perspetivas dez anos após a adoção da Convenção (N.º 189) sobre o Trabalho Doméstico em 2011” da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil liderava o ranking de país com o maior número de trabalhadoras e trabalhadores domésticos em 2019, se colocando muito à frente do segundo colocado. Segundo dados da organização, no país, existiam 6,3 milhões de pessoas ocupadas no trabalho doméstico, ou 6,8% do total da população ocupada. Por sua vez, o México, segundo colocado no ranking, possuía 2,4 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos, o equivalente a 4,3% de toda a sua população ocupada.
O trabalho doméstico remunerado é pedra fundamental na estrutura do cuidado no Brasil. Como o trabalho de cuidado é extremamente privatizado, isto é, amplamente entendido como um problema das famílias e não do Estado e da sociedade como um todo, e mediante um cenário de falta de serviços acessíveis e de qualidade para o cuidado com crianças, com idosos e outros adultos que precisam de cuidados, as famílias que dispõem de recursos costumam contar com o trabalho doméstico remunerado para dar conta do trabalho de cuidado. O trabalho doméstico remunerado é fonte de renda para uma parcela significativa da força de trabalho feminina e permite que outra parte considerável da força de trabalho tenha tempo para se dedicar ao trabalho remunerado fora de casa. Entretanto, esse arranjo se baseia, em grande parte, na desvalorização e na precarização do trabalho doméstico remunerado , ao mesmo tempo em que reforça a privatização do trabalho de cuidado e mantém inalterada as estruturas de raça, gênero e classe social que organizam a distribuição do trabalho de cuidado no Brasil.
Essa desvalorização salarial no Brasil é agravada pela falta de regulamentação e proteção trabalhista adequadas para as trabalhadoras domésticas. Por muito tempo, essa categoria profissional esteve à margem dos direitos trabalhistas, não sendo abrangida pelas proteções constitucionais estendidas aos demais trabalhadores. Mesmo com avanços recentes na legislação, com Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar nº 150/2015, que garantiram direitos fundamentais às trabalhadoras domésticas como limitação da jornada de trabalho, férias remuneradas e recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a plena igualdade de direitos e condições dignas de trabalho para essas trabalhadoras.
A baixa remuneração das trabalhadoras domésticas tem implicações significativas em suas condições de vida e bem-estar. Com salários tão baixos, muitas vezes abaixo do salário-mínimo, elas enfrentam dificuldades para atender às suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, saúde e educação. Vale ressaltar que, enquanto as trabalhadoras domésticas provêm cuidado para a parcela da população que pode pagar por este serviço, elas são particularmente afetadas pela falta de serviços de cuidado acessíveis e de qualidade. Essa situação contribui para a reprodução do ciclo de pobreza e desigualdade, afetando não apenas as trabalhadoras domésticas, mas também suas famílias e comunidades.
A estrutura salarial desigual também tem um impacto negativo na mobilidade social e nas oportunidades de ascensão profissional para as trabalhadoras domésticas. Com salários baixos e poucas oportunidades de progressão na carreira, essas profissionais muitas vezes ficam presas em um ciclo de trabalho precário, o que alimenta o ciclo intergeracional de pobreza. A falta de valorização e reconhecimento de suas habilidades e experiências dificulta sua inserção em outros setores e limita suas chances de alcançar uma maior estabilidade financeira.
A superação dessa estrutura salarial desigual exige uma abordagem abrangente e multifacetada. É necessário promover políticas públicas que garantam a igualdade de remuneração e direitos para as trabalhadoras domésticas, fortalecer a fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas e incentivar a valorização e o reconhecimento dessa profissão. Além disso, é fundamental combater estereótipos de gênero e promover uma cultura que valorize o trabalho doméstico e de cuidado, visando uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva para toda a nossa sociedade.